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Pesquisa acadêmica vira lei que proíbe exploração da mulher em propagandas na cidade de Natal

Propagandas que exploram corpos de mulheres estão proibidas nas ruas de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Uma lei foi sancionada estabelecendo punições a empresas que insistirem no uso da linguagem objetificadora.

O projeto, de autoria da vereadora Brisa Bracchi (PT), foi baseado na pesquisa de mestrado Consumidora Consumida: as mulheres em anúncios de outdoors, produzida pela estudiosa Patrícia Nunes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

“É muito importante que as pessoas entendam que a publicidade machista contribui, não só para reforçar estereótipos que discriminam a mulher e inferiorizam, mas ela também ajuda na questão da violência e da desigualdade”, alerta a pesquisadora em entrevista ao programa Bem Viver da Rádio Brasil de Fato.

Patrícia fez um levantamento de outdoors nas principais avenidas de Natal e constatou alta presença de anúncios que usam corpos femininos para venda de produtos. O estudo chamou atenção da parlamentar que elaborou a proposta para a lei, já em vigor no município.

Segundo a nova legislação, qualquer peça publicitária que utilize imagens, frases ou símbolos que remetem à exploração das mulheres e ao machismo pode gerar punições para empresas. As sanções vão desde a retirada de circulação da peça publicitária à multas que variam de 10 a 20 salários mínimos.

“Não só as pessoas vão ser beneficiadas, mas os próprios agentes de publicidade, os anunciantes, que vão perceber como é importante o papel pedagógico e o papel social que eles têm. Não é só ter bons produtos, boas marcas, nós precisamos ter também boas mensagens”, ressalta Patrícia Nunes.

Lei a entrevista na íntegra abaixo ou ouça no tocador de áudio abaixo do título desta matéria.

Brasil de Fato: O que é e como identificar a publicidade machista?

Partindo do princípio de que o machismo é a crença na superioridade inerente de um sexo sobre o outro, no caso em relação ao homem em detrimento da mulher, a publicidade machista utiliza discursos, mensagens, imagens, com expressões e frases que exploram o corpo da mulher e fortalece esse machismo na cultura brasileira.

Ela Incentiva diversas violências, discursos que objetificam esse corpo para venda daquele produto ou daquela marca. O corpo está ali, despido ou seminu, muitas vezes até fragmentado em recortes de parte do peito, das coxas, do quadril, associado ao produto ou a marca, com objetivo de venda e lucro.

Esse é tipo de discurso de publicidade machista que visamos combater com as pesquisas que estão sendo desenvolvidas no campo da universidade e que um projeto desse está tentando coibir e proibir.

Trazendo aqui para a capital potiguar, é uma revolução, porque não havia discussões de leis como essa. É muito importante essa discussão, para que as pessoas entendam que a publicidade machista contribui não só para reforçar estereótipos que discriminam a mulher e inferiorizam também, mas ela também ajuda na questão da violência e da desigualdade.

O Brasil é um dos países que mais têm casos de violência contra a mulher. A ONU, por exemplo, tem como objetivo também combater esses discursos na mídia, na publicidade e que trabalham reforçando esses estereótipos, esses discursos machistas.

Como a pesquisa se transformou em lei?

Eu participei, junto com algumas professoras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da discussão e criação desse projeto de lei. Saber que uma pesquisa que foi feita na academia, algo bem teórico, foi colocada em prática, instiga muito o trabalho da pesquisadora.

Eu pude contribuir, dando algumas sugestões, a vereadora Brisa Bracchi tem uma sensibilidade muito grande para identificar esses trabalhos que são feitos dentro da universidade e fazer com que eles extrapolem os muros, cheguem a sociedade, em especial às mulheres, como nesse caso.

É muito importante essa lei para a cidade de Natal, não só as pessoas vão ser beneficiadas, mas os próprios agentes de publicidade, os anunciantes, que vão perceber como é importante o papel pedagógico que eles têm, o papel social também.

Não é só ter bons produtos, boas marcas, nós precisamos ter também boas mensagens, que não explorem o corpo da mulher e reforcem valores machistas. É muito importante saber que eu pude contribuir para a minha cidade e estou dando esse retorno social e em especial para as mulheres.

Se a gente for interseccionar isso, as mulheres negras, indígenas, mulheres com alguma deficiência, são as que mais sofrem opressão intersccional e essas imagens também as inferiorizam ainda mais. Inclusive quando não há visibilidade para esses outros corpos. Quando isso não traz imagens da diversidade desses corpos também há uma opressão aí.

O que diz a lei?

A lei em vigor proíbe toda veiculação da publicidade ou propaganda de caráter machista, que objetifique explore o corpo da mulher – não só em outdoors, mas cartazes, letreiros, fachadas – no município de Natal, Rio Gande do Norte.

Toda empresa, toda marca que tenha filial no município e veicular esse tipo de publicidade vai ter algumas penalidades, advertências, e até as multas que podem variar de 10 a 20 salários mínimos.

É importante também a própria população fiscalizar, atuar denunciando se por acaso observar esse tipo de mensagem circulando pela cidade. Os outdoors, por exemplo, não são democráticos como a TV que você pode mudar de canal, ele está ali e nós somos obrigadas a ver. Passamos por ele seja de carro de ônibus, estamos vendo ali aquela mensagem.

Qualquer pessoas da capital potiguar pode fazer a denúncia e informar os órgãos competentes sobre as mensagens que são veiculadas e objetificam o corpo da mulher.

Existem ações que a própria sociedade pode tomar para interferir na veiculação dessas mensagens e incentivar legislações como essa?

A própria Bel Hooks [teórica e ativista feminista e antirracista] incentiva as mulheres a transformar o silêncio em ação e em linguagem. Quando eu vejo as diversas plataformas em que as mulheres estão colocando sua voz, comunicando suas vozes, denunciando violências, eu fico muito esperançosa.

Mas eu percebo também que na cidade, diferentemente das plataformas digitais, não há uma movimentação muito forte a respeito desse tipo de imagem. Com a lei, eu quero ver como vai acontecer e estou esperançosa de que as empresas, as marcas, se interessem em cumpri a lei.

Já é uma evolução. Como sociedade, eu acredito que é preciso haver uma movimentação um pouco maior. Eu percebo que há alguns grupos aqui na cidade que se colocam como ativos em suas próprias narrativas e trazem outros corpos, no grafite e nas pichações, por exemplo.

São imagens que se contrapõem a essas imagens que objetificam e exploram a mulher na publicidade. Percebo também que, timidamente, algumas marcas vêm trazendo outros discurso nas plataformas digitais com um pouco mais de diversidade. Enquanto houver opressão haverá sempre resistência e existência de outras vozes e outras narrativas.

As redes sociais têm cumprido um papel importante para fomentar denúncias e debates?

Sim e é muito interessante isso. Eu percebo que quando as mulheres se colocam ativas nas suas próprias narrativas e reivindicam outras linguagens.

A gente percebe que elas não estão silenciadas. Eu fico muito feliz de saber disso e me instiga mais a continuar. Umas das formas de eu militar é academicamente, trazendo essas reflexões. Com a lei entrando em vigor, vamos poder observar outras nuances e outras imagens.

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Márcia Sagaz

Mestre em Linguística – Sociolinguística/Política Linguística, pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2013)

Título da Dissertação: Projeto Escolas (Interculturais) Bilíngues de Fronteira: análise de uma ação político-linguística.

Licenciada em Letras – Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, pela Universidade Federal de Santa Catarina (2009).

Especialista em Design Instrucional, pelo SENAC.